quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Viajar ou deslocar-se?

Em um dos seus livros mais recentes, E se Obama fosse africano? (2011), Mia Couto diz que "nos nossos dias, já não há viagem. Deslocamo-nos apenas. (...) A velocidade que possibilita a deslocação acabou matando a viagem" (p.174). Essa argumentação do escritor moçambicano me faz refletir a partir de uma constatação interessante, quando ele nos lembra que isso acontece simplesmente porque quando viajamos a [real] viagem "obriga-nos a sermos outros, a descentrarmo-nos, a deslocarmo-nos para fora de nós" (p.174). Não é uma visão romântica que, no mínimo, nos levaria àquela época em que viajar era uma epópeia em que,ao longo do caminho, íamos nos transformando pelo contato com os outros e suas terras, seus sorrisos, suas culturas. E desse contato, estenderíamos, mestiçaríamos o nosso "eu". Uma discussão profunda, diria. Este Mia Couto toca fundo na vida através da palavra. E tudo isso, para mim, é ensinamento. Estou a caminho da China, lugar em que jamais pisei. Muitas horas de voo, não sei se viagem ou de deslocamento. MInha cabeça vai girando e procuro não romantizar a experiência que me aguarda. Tenho certeza apenas que, mesmo às custas de algum choque cultural, serei alguém diferente no momento em que aportar por aquelas plagas. Aguardo boas experiências. Tomara que eu seja capaz de me "diluir", de "ser apropriado por outras almas" (Mia Couto, novamente). Tomara que eu possa ao menos entender um pouco aquele país, revisar meus estereótipos, ver tudo o que sempre quis com meus próprios olhos. Tomara que meu deslocamento transforme-se em "viagem". Tomara! China, aqui vou eu!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

"Não basta morrer para deixar de viver"

Aqui estamos, Denise e eu, diante de ninguém menos que Mia Couto, um dos maiores escritores de língua portuguesa da atualidade, em noite de homenagem aos 99 anos do nosso grande Jorge Amado, o escritor maior da Bahia. Noite de gala em que literatura, política, identidade, sensibilidade e carisma se encontram e confluem para um sentimento de certeza que ali se está diante de alguém especial, diferente e, ao mesmo tempo, tão igual a cada um de nós. Através de palavras simples e milimetricamente certeiras, Mia Couto toca fundo na nossa alma. Falando da imortalidade que ganham os grandes artesãos da palavra, Mia diz que, para pessoas como Jorge Amado, "não basta morrer para deixar de viver", já que, na verdade, um homem com uma obra como esta, com toda deferência, requisita, ainda que sem qualquer solenidade, o direito de viver para sempre. Uma noite etérea, um encontro emocionante para mim, um fã racional, um tímido aprendiz que vê vida correr fundo na tessitura do pensamento de um homem que, a partir de uma matriz linguística semelhante, consegue me mostrar que o segredo da existência humana está exatamente em transformar o texto em algo grandioso, transformador, revolucionário. "Jorge não escrevia livros, escrevia um país", diz o poeta-escritor-biólogo da Beira. Mia também. Não escreve livros, mas um país com o qual tenho certa afinidade sem jamais ter pisado meus pés por lá. Ontem, ao conhecê-lo pessoalmente naquela profusão de saudações apressadas, lhe ter apertado a mão, ter-lhe praticamente furtado um autógrafo e dito o quanto admiro o seu trabalho, me fez sentir mais jovem, mais alerta, mais esperançoso para com o fato de que ainda é possível acreditar em sonhos, é possível "escutar silêncios". Esse sujeito simples, de fala mansa e segura, lá da periferia da periferia do mundo, me traz esse sentimento, mexe comigo, desarticula minhas verdades e, acima de tudo, me faz sentir cada vez mais vivo. Nas minhas "mal contidas ignorâncias", como diria ele, me transformo em alguém melhor, crio asas. Viva Mia Couto!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O egoísmo acaba aqui


Muitas vezes me encontro pensando no quão egoístas vamos nos tornando à medida que a humanidade avança no tempo e parece estancar em valores e senso de dignidade. Olho para os lugares e vejo todo mundo se preocupando em consumir, as novas gerações totalmente desprovidas de meios morais e emocionais para, quem sabe, tentarem se acostumar às delícias e verdades de uma vida simples, onde, dentre outras coisas, vislumbram-se relações mais próximas, reais e duradoras. A vida está precisando exatamente disso. A foto que ilustra esse pensamento vem de Cuba, tirada do Facebook de um amigo norte-americano meu. Fiquei tocado com a beleza da cena e o sorriso de alguém que, provavelmente, carece de várias demandas materiais. Mas é um sorriso sincero, que encanta. Isso sem falar naquele lindo bebê, seminu, imprensado entre o peito do pai (acho) e a sela do cavalo. Uma cena que, na sua mais doce simplicidade, nos relembra da verdadeira noção de viver. Precisamos de tão pouco para viver a vida. Muitos de nós temos tanto, egoisticamente, buscamos tanto e nunca, uma vez sequer, trouxe (ou traz) no rosto um sorriso como este. Quanto a aprender a partir de um simples registro da vida. Vida comum, simples, desigual. Vida vivida. Ah, o egoísmo acaba aqui!